Banzé
Pequeno, tímido.
Sem raça definida.
Branco. Tem algumas manchas pretas espalhadas ao longo do corpo.
Não lembra onde nasceu.
Quem o colocou nas ruas.
Sabe apenas que cresceu nas calçadas e parques da cidade.
Passa o tempo farejando lixeiras. Rompendo os sacos de lixos que se encontram largados sobre as calçadas.
Da um trabalhão para as donas de casa.
Por sorte ainda não fora recolhido pela carrocinha.
Bem que o homem do cachorro quente adoraria.
As humilhações e as desumanidades eram tantas, que havia tirado da mente a esperança de um dia encontrar um lar. Um dono. Uma dona.
Ah! A culpa estava na vida tumultuada dos viventes de grandes cidades. É difícil encontrar alguém com tempo nestes lugares.
Os passos são apressados. E os dias nem se fala, passam voando.
Ninguém olha mais para o verde das árvores. Elas estão nos parque, canteiros e calçadas para que tenhamos uma melhor qualidade de vida, que ninguém se esqueça disto.
As flores do jardim são ignoradas; os cantos das aves se perderam no espaço fumarento.
O sorriso de uma criança não é prioridade.
E quando tudo parecia perdido.
Eis que surge uma chance.
Deitado na grama do parque. Faminto e com sede. O mundo girava feito redemoinho.
O barulho dos passos apressados haviam se transformado em pisadas de uma manada de elefantes passando pelas calçadas apertadas. E o insistente chamado que ouvia, por um momento pensou se tratar do dono do cachorro quente querendo o transformar em salsichas a serem servidas no próximo cachorro quente.
A nuvem branca que esta bloqueando sua visão, por um breve instante; se dissipou.
Viu então uma senhora. Ela tinha ar de estar falando sério:
- Psiu!
- Psiu cachorrinho! Olha o que eu trouxe para você. Um suculento almoço.
Este responde com um olhar tímido:
“Acho que é disto que estou precisando para acordar.”
“Como foi que esta senhora adivinhou?”
- Quando passei ontem aqui eu estava com muita pressa. Mais prometi que hoje voltaria para lhe trazer comida.
Foi amor a primeira vista. No outro dia, o cachorrinho estava dormindo num felpudo tapete, rodeado de atenções. Recebeu até um nome:
-Banzé.
O cachorrinho achou “bonitinho”.
E logo se acostumou com o nome. Ela também se apresentou:
- Eu me chamo Iraci. Agora eu vou trabalhar. Sua comida e a água estão ali na cozinha. Se comporte amiguinho e cuide da sua nova casa.
Banzé não economizou tempo.
Desfrutou de sua nova liberdade. A liberdade de viver entre quatro paredes.
Subiu no sofá.
Visitou os quartos. Correu de um lado a outro da casa, até cair cansado no seu canto de dormir. Despertou com Iraci a seu lado:
- Oi Banzé! Vamos tomar um arsinho na praça?
Banzé aprovou a idéia. Sim, ele queria muito passear nas ruas e parques, que apesar da vida ser bem melhor fora deles, não os esquecia.
A praça estava livre e convidativa. Iraci havia colocado uma corrente longa na coleira presa ao pescoço de Banzé.
Este corria feito louco. Fazia xixi sem parar. Não ficava um poste sem ser benzido.
Correu atrás das pombinhas. Até apostaram uma corrida. O último a chegar ao pé de goiabeira era a mulher do padre. A pombinha ganhou.
Até o casal de cachorros de raça que viviam atormentando a vida de Banzé, estavam lá. Eles eram mesmos incorrigíveis nas suas avaliações:
- Olhem só o vira-lata!
- Uh! Adotaram o pulguento.
Banzé não deu a mínima para os comentários caninos. Ainda bem que Iraci já estava voltando para casa.
Banzé não percebia, mais algum tempo depois, eram anos. E este tempo eram exatos três anos. Iraci e Banzé eram agora muito unidos.
Ele tinha um carinho muito especial por ela.
Fazia mil peripécias quando estava ao lado dela. Latia sem precisão. Balança a cauda sem cansar e por uns instantes tentava alcançá-la. Sem chances, o rabo também ganhara como as pombinhas La no parque.
A vida de Banzé se transformara em uma festa permanente junto de Iraci.
Era uma manhã de domingo. As ruas estavam aparentemente desertas. Pássaros saltitando nos muros, cantando sobre os telhados. O sol se espalhava por toda a cidade.
Banzé e Iraci se preparavam para irem para mais um passeio matinal na praça.
Cansada de ver Banzé preso a uma corrente, ela a retira:
- De hoje em diante, ficarás livres para ir e vir meu querido amiguinho.
Como qualquer cão que se preza, Banzé saltou de alegria. Coçava as orelhas, a barriga. De repente surgiu coceira pelo corpo inteiro.
Ele correu para ficar ao lado do portão, pois sabia que este seria aberto a qualquer instante.
Iraci abriu o portão. Aconteceu tudo muito rápido a partir daí.
Banzé não sentindo a corrente lhe prendendo o pescoço, correu para a calçada. Sem, no entanto olhar para os lados, como deve se feito quando se vai cruzar uma rua por onde passam veículos; atravessou.
Banzé atravessou no lugar errado, na hora errada também.
Na metade da rua, ele sentiu o impacto mortal. Vieram da calçada, os gritos de Iraci em seu socorro:
- Banzé! Meu Banzé Zinho!
O carro que atropelou Banzé, o levou preso no pára-choque.
Foi parar no farol. Parou porque este estava fechado para ele.
Neste mesmo ponto, Banzé desprendeu-se, La ficando no asfalto frio da manhã gelada e ensolarada.
Iraci correu. Ergueu Banzé nos braços:
- Banzé ainda vive! Meu Deus Banzé ainda está vivo.
Era um milagre Banzé ter sobrevivido a tão grande impacto.
Iraci levou Banzé no prime iro veterinário que encontrou.
Banzé estava muito ferido, mas estava vivo, e isto era que estava importando para Iraci.
Depois de examinar minuciosamente a vítima, o veterinário não teve dúvidas em afirmar:
-Não podemos fazer mais nada. O melhor a fazer, é sacrificar este animal. Não vai doer nada. E o gasto vai ser muito menor.
Iraci não estava acreditando no que estava ouvindo. E protestou energeticamente:
- Como assim, o gasto vai ser menor! Quem disse para o senhor que quero economizar para salvar meu cachorrinho. Estou disposta a gastar o que for preciso para salvá-lo e não me venha com discurso de gente preguiçosa.
- Calma senhora. A senhora não entendeu.
- Entendi muito bem sim. E o burro aqui é o senhor de pensar que estou me preocupando com dinheiro.
- Tente se acalmar mina senhora. Seu cachorro esta condenado. As pernas foram seriamente afetadas. O aparelho digestivo foi inteiramente comprometido. Sem falar que se ele for salvo, não andará e nem poderá se alimentar sozinho.
- Não se preocupe com estes detalhes. Porque se o doutor me entregar ele vivo, o resto ficara por minha inteira responsabilidade.
Depois de quase dois meses, Banzé reapareceu na praça.
Realmente a vida de Banzé mudara e muito após o acidente. E isto era um fato visível.
Banzé agora estava vendo o mundo de outra maneira.
Como havia previsto o médico, Banzé, não andava. Estava se alimentando com a ajuda de Iraci.
Iraci, por outro lado, ousou e abusou da sua criatividade para agradar seu amiguinho. Banzé correspondeu a tudo que lhe vinha com resignação e amor.
E Banzé adaptou-se bem a nova vida.
Para ele se locomover. Iraci construiu um carrinho tipo rolimã. Diferenciava-se do rolimã porque havia neste uma lateral proeminente que era preciso para segurar Banzé, que mal podia se mexer. Com este carrinho feito rolimã Banzé resolveu seu problema de locomoção.
Com relação à alimentação. Banzé era alimentado através de um pequeno furo na garganta. Iraci ali injetava a alimentação necessária.
Iraci havia encontrado uma pequena casa para alugar próximo do trabalho. Tudo para ficar mais perto do amigo. Pela manhã alimentava Banzé e realizava o seu asseio. No almoço, vinha rapidamente trocar o amigo, e lhe dar água e alguma coisa para alimentá-lo. E a noite acontecia à última refeição.
E claro, os passeios na praça estavam sendo possíveis novamente.
Iraci fazia questão de fazer a vida de Banzé valer apenas. Nos passeios fazia o carrinho correr ligeiro pelas alamedas verdes da praça. O canto das aves complementava este bem estar. Havia até o tradicional deslizamento de rampa. Iraci soltava o carrinho com segurança numa rampa, e corria ligeiro para esperá-lo na chegada. Nesta hora Banzé sentia que ao invés de pernas, agora tinha assas.
Os dois acabavam deitados sobre o gramado. A emoção era tanta que Iraci se cansava.
Dez anos se passaram.
Banzé e Iraci. Nada havia mudado entre eles, com relação à amizade. Mas com relação ao tempo, sim. As vidas dos dois haviam passado com o passar do tempo.
Banzé já não era o mesmo. Iraci por outro lado, sentia o peso da idade lhe tocando firmemente a cada passo que dava. Os passeios na praça estavam raros. Na verdade eles não eram mais possíveis. Banzé sabia que seu tempo era menor do que o de Iraci. Fazia sentido. Ele era o que não podia mais passear.
Iraci estava de saída para o trabalho. O amanhecer estava pálido. Observara pela janela que o dia estava encoberto. Sentira esta mesma falta de claridade no olhar de Banzé.
Ao chegar a casa para almoçar. Com o termino da realização dos afazeres, Iraci se prepara para voltar ao trabalho. Na despedida, além da frieza, identificou um triste adeus no olhar brando de Banzé. Ele parecia esta querendo lhe dizer várias coisas. Talvez estivesse lhe agradecendo. Iraci que sempre compreendia os pedidos do amiguinho, agora estava pressentindo, no entanto, uma coisa diferente, que não era um pedido, mais sim um olhar de despedida. Percebendo a triste condição do Banzé, desconfiou que talvez não encontrasse mais o amigo com vida quando retornasse para casa no final do dia.
Quando Iraci retornou, a noite tinha tomado conta da cidade.
Dentro de casa, o tempo que havia levado o dia, também havia levado Banzé consigo.
Iraci enterrou Banzé no fundo do quintal, sob o pé de uma árvore.
E agora todas as manhãs os pássaros cantam pousados nos galhos das árvores canções que ficam como o tempo, se repetindo o tempo inteiro.
Francis Nascivalen
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