
BANZÉ
Branco com algumas manchas pretas espalhadas ao longo do
corpo. De pequeno porte. Raça indefinida. Não lembra onde nasceu de quem o
colocou nas ruas.
Sabe que cresceu nas calçadas e
na praça da grande metrópole. Passa o tempo farejando as lixeiras, rompendo
sacos de lixos em busca de sua sobre vivencia. Causando grandes prejuízos
higiênicos para as donas de casa.
Por sorte ainda não fora
recolhido pela carrocinha.
Bem que o homem do cachorro
quente se beneficiaria com este acontecimento.
Conhecia quão profundo era o lado
negro dos humanos que havia tirado da mente a esperança de encontrar uma dona,
ou um dono. Quantas desumanidades gratuitas com estes seres desvalidos. Só de
pensar nos chutes que levara por nada, lhe dói ainda mais a barriga vazia.
Ah! A culpa estava na vida
tumultuada dos viventes de
grandes cidades. É difícil encontrar alguém com tempo, muito
menos com o sentido voltado para a natureza em geral.
Os passos são apressados. E os
dias nem se fala, passam voando.
Os verdes das matas são
ignorados, as flores do jardim perderam-se no vazio da loucura de ganhar,
ganhar muito dinheiro. E quanto ao canto das aves; sucumbiram na fumaça da
poluição que pouco a pouco vai tomando conta do espaço destituído de vegetação.
E quando tudo parecia estar
completamente perdido, com a vida por um fio.
O cachorrinho se achava deitado na grama. A fome estava lhe comendo vivo,
a sede lhe apertando a garganta até a morte. O mundo estava girando feito
redemoinho. Seus sentidos estavam fora do lugar. O barulho dos passos apressados,
transformaram-se em pisadas gigantesca
de uma manada de elefantes enfurecidos. E o insistente chamado que ouvia, por
um instante pensou se tratar do Dono do cachorro quente, chamando para ser
transformado em salsichas.
A nuvem branca que esta
bloqueando sua visão, por um breve instante; se dissipou.
Viu então uma senhora. Ela tinha ar
de estar falando sério:
- Psiu! Cachorrinho você esta
bem?
- Olha o que eu trouxe. Um suculento
almoço. Estava sem fome e trouxe-lhe todo meu almoço para você.
O cachorrinho que mal podia com
sua própria cabeça, voltou a pousá-la no gramado e pensou com os olhas meio que
mareados de lágrimas. Parece que enfim estava ganhando uma nova chance de
voltar a viver:
-“Acho que é disto que estou
precisando para acordar.”
“Como foi que esta senhora
adivinhou?”
A mulher voltou a falar-lhe:
- Quando passei ontem aqui eu
estava com muita pressa. Mais prometi que hoje voltaria para lhe trazer comida.
Percebi assim que bati meus olhos em você que estava morrendo de fome e sede.
Olhe também lhe trouxe este copo de água.
Foi amor a primeira vista. No outro dia, o cachorrinho
estava dormindo num felpudo tapete, rodeado de atenções. Recebeu até um nome:
-Banzé.
O cachorrinho achou o nome
engraçado, e logo se acostumou com ele.
Ela também se apresentou:
- Eu me chamo Iraci. Agora eu vou
trabalhar. Sua comida e a água estão na
cozinha. Se comporte amiguinho e cuide da sua nova casa.
Banzé não economizou tempo.
Desfrutou de sua nova liberdade.
A liberdade de viver entre quatro paredes.
Subiu no sofá.
Visitou os quartos. Correu de
um lado a outro da casa, até cair cansado no seu canto de dormir. Despertou com
Iraci a seu lado:
- Oi Banzé! Cheguei! Vamos tomar um arsinho na praça?
Banzé aprovou a idéia. Sua cauda não parava de balançar. Sim,
ele queria muito passear napraça, apesar da vida ser bem melhor fora dela em
algum momento.
Iraci havia colocado uma corrente longa na
coleira presa ao pescoço de Banzé.
A praça era
maravilhosamente grande. Cheia de verde, flores em todos os cantos. Bancos, e
muitos brinquedos esquecidos por quem deveria usá-los.
Banzé era a única criança da praça naquele instante. E que criança
diferente sim. Fazia xixi sem parar. Não ficava um poste sem ser batizado.
Correu atrás das pombinhas. Até apostaram uma corrida. O último a
chegar ao pé de goiabeira era a mulher do padre. A pombinha ganhou.
Até o casal de cachorros de raça que atormentavam a vida de Banzé,
estavam lá. Eles eram mesmos incorrigíveis nas suas avaliações:
- Olhem só o vira-lata!
- Uh! Adotaram o pulguento.
Banzé não deu a mínima
para os comentários caninos. Ainda bem que Iraci já estava voltando para casa.
Banzé não percebia,
mais algum tempo depois, eram anos. E este tempo eram exatos três anos. Iraci e
Banzé eram muito unidos.
Ele tinha um carinho muito especial por ela.
Fazia mil peripécias quando estava ao lado dela. Latia sem
precisão. Balança a cauda sem cansar e por uns instantes tentava alcançá-la.
Sem chances, o rabo também ganhara como as pombinhas La no parque.
A vida de Banzé se transformara em uma festa permanente
junto de Iraci.
Era uma manhã de domingo. As ruas estavam aparentemente
desertas. Pássaros saltitando nos muros de alvenaria envelhecida; outros cantavam
sobre telhados desbotados. O sol que acabava de nascer se espalhava por toda a
cidade submersa na aura de um novo dia.
Iraci e Banzé se preparavam para irem para mais um dos
inúmeros passeios matinais na formosa praça localizada nos altos de um dos mais
chiques bairros da grande metrópole.
Cansada, no entanto de ver Banzé preso na corrente, Iraci
decide retirá-la:
- De hoje em diante ficaras livres para ir e vir a praça e a
qualquer outro lugar.
Como qualquer outro cão, sem a corrente, Banzé saltava de
alegria. Coçava as orelhas, barriga. De repente surgiu coceira pelo corpo inteiro.
Banzé sentia a coceira da felicidade lhe picando o corpo inteiro.
Banzé c orreu para perto do portão. Iraci não tardaria em abri-lo. Após abrir o
portão, ocorreu tudo muito rápido. Banzé corre para a calçada. Sem, no entanto
olhar para ambos os lados para fazer a travessia da rua, ele atravessa. Banzé
atravessou na hora errada e principalmente no lugar errado. Na metade da rua
sentiu a força do impacto mortal. Veio da calçada os gritos de Iraci em seu
auxilio:
- Banzé! Meu pobre Banzé Zinho!
O carro que atropelou Banzé, o levou preso no pára-choque.
Foi parar no farol. Parou porque este estava fechado.
Neste mesmo ponto, Banzé desprendeu-se, La ficando no asfalto
frio da manhã gelada e ensolarada.
Iraci correu. Ergueu Banzé nos braços:
- Banzé ainda vive! Meu Deus Banzé ainda está vivo.
Era um milagre Banzé ter sobrevivido a tão grande impacto.
Iraci levou Banzé no prime iro veterinário que encontrou.
Banzé estava muito ferido, mas estava vivo, e isto era que
estava importando para Iraci.
Depois de examinar minuciosamente a vítima, o veterinário
não teve dúvidas em afirmar:
-Não podemos fazer mais nada. O melhor a fazer, é sacrificar
este animal. Não vai doer nada. E o gasto vai ser muito menor.
Iraci não estava acreditando no que estava ouvindo. Com o
olhar mais frio que a mesa de inox que estava sendo usada para examinar Banzé,
protestou energeticamente:
- O que o doutor esta dizendo? Será que eu ouvi direito, ou eu
sou quem esta atropelada aqui, e que, portanto estou tendo alucinações de querem
me matar.
- Como assim, o gasto vai ser menor! Quem disse para o
senhor que quero economizar para salvar meu cachorrinho. Estou disposta a
gastar o que for preciso para salvá-lo e não me venha com discurso de gente preguiçosa.
Só pode estar brincando com migo. E se está, esta fazendo numa hora
erradíssima.
- Calma senhora. A senhora não entendeu.
- Entendi muito bem sim. E o burro aqui é o senhor de pensar
que estou me preocupando com dinheiro.
Meio sem jeito, e sem saber como acalmar a mulher; o jeito
foi apelar para seus conhecimentos:
- Tente se acalmar senhora. Desculpe-me se feri seus
sentimentos numa hora tão dura que sei que esta passando. Sei o quanto é
dolorido esta perda. Mas tente me ouvir com bastante calma. Seu animalzinho
sofreu danos irreparáveis. Verifiquei entre outras coisas, que seu aparelho
digestivo foi totalmente danificado. Sabe o que isto significa? Sei que é
drástico, mas se ele vier a sobreviver, nunca mais vai poder se alimentar
sozinho, somente com ajuda. E sem falar que ele perdeu completamente a
mobilidade das pernas. Também nunca mais vai voltar a andar.
Suando frio, e com a bolsa aberta, Iraci retira algumas
notas de dinheiro vivo:
- Veja isto doutor. Se o problema for dinheiro, não precisa
se preocupar. Darei-lhe todo o dinheiro que for preciso. O resto fica por minha
exclusiva responsabilidade. O que foi? O senhor pensava que porque não parei
com um carrão na porta da clínica, eu não tinha dinheiro, foi isto, não foi
doutor. Só tenho cara de pobretona, mais tenho mais dinheiro que muitos que vem
aqui na sua clínica de carrões. Me entregue o cachorro vivo e o senhor será
muito bem recompensado.
Depois de quase dois meses, Banzé
reapareceu na praça.
Realmente a vida de Banzé mudara
e muito após o acidente. E isto era um fato visível.
Banzé agora estava vendo o mundo
de outra maneira.
Tal como havia prognosticado o
veterinário, Banzé, não andava e estava se alimentando com a ajuda de Iraci,
sua fiel companheira.
Iraci, por outro lado, usou e
abusou da sua criatividade para agradar seu amiguinho. Banzé correspondeu a tudo com resignação e amor.
E por isto adaptou-se bem a sua nova vida.
Para ele se locomover. Iraci
construiu um carrinho tipo rolimã. Diferenciava-se do rolimã porque havia neste
uma lateral proeminente necessária para segurar Banzé, que mal podia se mexer.
Com este carrinho feito rolimã Banzé resolveu seu problema de locomoção.
Com relação à alimentação. Banzé
era alimentado através de um pequeno furo na garganta. Iraci ali injetava a
alimentação necessária.
Iraci agora trabalhava perto de
casa. Pela manhã, alimentava Banzé e realiza todos os processos necessários
para sua higienização. E ao retornara para casa ao anoitecer, servia-lhe uma
nova refeição, e votava a realizar todos os outros deveres necessários. E
somente nos finais de semanas, eles saiam para irem à praça.
E claro, os passeios na praça
estavam sendo possíveis novamente.
Iraci fazia questão de fazer a
vida de Banzé valer apenas. Nos passeios
fazia o carrinho correr ligeiro pelas alamedas verdes da praça. O canto das
aves complementava este bem estar. Havia até o tradicional deslizamento de
rampa. Iraci soltava o carrinho com segurança numa rampa, e corria ligeiro para
esperá-lo na chegada. Nesta hora Banzé sentia que ao invés de pernas, agora
tinha assas.
Os dois acabavam deitados sobre o gramado. A emoção era tanta que Iraci
se cansava.
Dez anos se passaram.
Banzé e Iraci. Nada havia mudado
entre eles, com relação à amizade. Mas com relação ao tempo, sim. As vidas dos
dois haviam passado com o passar do tempo.
Banzé já não era o mesmo. Iraci
por outro lado, sentia o peso da idade lhe tocando firmemente a cada passo que
dava. Os passeios na praça estavam raros. Na verdade eles não eram mais
possíveis. Banzé sabia que seu tempo era menor do que o de Iraci. Fazia
sentido. Ele era o que não podia mais passear.
Iraci estava de saída para o
trabalho. O amanhecer estava pálido. Observara pela janela que o dia estava
encoberto. Sentira esta mesma falta de claridade no olhar de Banzé.
Ao chegar a casa para almoçar. Com o termino da realização dos afazeres,
Iraci se prepara para voltar ao trabalho. Na despedida, além da frieza, identificou
um triste adeus no olhar brando de Banzé. Ele parecia esta querendo lhe dizer
várias coisas. Talvez estivesse lhe agradecendo. Iraci que sempre compreendia
os pedidos do amiguinho, agora estava pressentindo, no entanto, uma coisa
diferente, que não era um pedido, mais sim um olhar de despedida. Percebendo a
triste condição do Banzé, desconfiou que talvez não encontrasse mais o amigo
com vida quando retornasse para casa no final do dia.
Quando Iraci retornou, a noite
tinha tomado conta da cidade.
Dentro de casa, o tempo que havia
levado o dia, também havia levado consigo Banzé.
Iraci enterrou Banzé no fundo do
quintal, sob o pé de uma árvore.
E agora todas as manhãs os
pássaros cantam pousados nos galhos da árvore canções que ficam como o tempo,
se repetindo a cada dia que passa.
Francis Nascivalen
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente, discorde, concorde. Faça o melhor. Nesta sala de bate papo , respondemos em qualquer tempo, o que foi escrito em outros tempos. Podemos opinar de algo, e dizer o que pensamos. Este é o lugar certo para encontros de pessoas anónimas.