Era um dia incerto.
Logo pelo começo da manhã fui informada que seria levada para o setor cirúrgico. Os procedimentos era para serem seguidos a risca. Vestir uma camisola hospitalar. Retirar minha prótese. Eu relutei. Havia menstruado. Não havia problema. Sob a maca um lençol estava dobrado a mais. Tudo pronto.
Por um longo e infinito corredor segui. Contei e recontei os pilares que segurava o telhado. As rodas da maca cantavam uma canção de notas repetidas e barulhenta. Cantava algo que me lembrava à morte de alguma forma. De alguma forma a morte me rondava. Talvez aqueles meus pés gelados, poderiam ficar ainda mais gelados. Meus olhos fixos poderiam ficar ainda mais paralisados. Meu Deus. Vi minha vida esvair-se por aquele corredor sem fim. Enfim a maca ficara muda. Era porque havia chegado ao seu destino. Um porão. Nada mal. Eu estava entrando num porão onde ninguém mais entrava, a não ser o corpo clínico e o meu ali entregue ao destino. Se algo me acontecesse, só Deus e os médicos saberiam.
Se eu não acordasse da operação, eu estava a pensar, foi bom viver até meus quarenta e poucos anos e não me oporia em viver outros quarenta e tanto se desta eu saísse.
Foi-me perguntado minutos antes de levar uma injeção de anestesia na espinha, a chamada raque:
- Com quem você quer sonhar; já que vai dormir por algum tempo?
- Eu! Sonhar! Meu Deus, eu me derretendo de medo de dormir um sono eterno, ou algo do tipo, não acordar mais, e o médico com esta ideia. Puxa o que fazer. Respondi qualquer coisa.
Não querendo desapontar a equipe que se ateve na pergunta, respondi com palavras incertas:
- Com Gregory Pek (é um ator americano cantado na música da Rita Lee)
A enfermeira riu satisfeita:
- Um, ela tem bom gosto.
Pronto. Meus dias na terra haviam se encerrado com aquele breve diálogo.
- Este foi o menino que levou um tiro acidental! Pelo jeito ele vai sobreviver.
Que bom, eu pensei. Não gostaria que uma pessoa, principalmente uma criança, estivesse morta ao meu lado. Pois era sinal de que eu também estaria na mesma situação.
Meus quase cinco dias de recuperação, ali mesmo no hospital, foram ótimos. Estava num quarto com janela que se abria frente às frondosas árvores onde cantava o sabiá, o João –de - barro, a maritaca, o bem-te-vi... Eles me acordavam todas as manhãs juntamente com os aviões que passavam sobre o hospital. Era curioso este sentimento de voltar a viver. Maravilhoso sentir á vida voltando de devagarinho, sem pressa de voltar. Conquistar o direito de viver, é qualquer coisa melhor que ganhar numa loteria, não existe nada comparável na terra. Não existe coisa melhor no mundo do que voltar a viver.
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